Filosofia Contemporânia
FILOSOFIA DA IDADE CONTEMPORÂNEA:
Juán Manuel NAVARRO CORDÓN; Tomás CALVO MARTÍNEZ |
História da Filosofia, 3º vol., p. 7-9 |
Consideramos como contemporânea a filosofia que se estende, dentro da imprecisão cronológica própria das produções culturais, ao longo da segunda metade do século XIX e da primeira metade do século XX. A filosofia contemporânea, nas suas linhas mais fundamentais e características, só pode ser adequadamente compreendida em relação com a obra de Hegel. Com efeito, a filosofia contemporânea constitui em grande medida uma reacção contra o sistema hegeliano, ao mesmo tempo que retoma poucas das suas análises e interrogações.
A mais notável e radical reacção contra o sistema de Hegel é feita por Marx, pelo marxismo. O marxismo, entroncado originalmente na esquerda hegeliana, distingue e separa o sistema hegeliano (idealista) do método dialéctico. Aceitando e transformando este último, a filosofia marxista "inverte" o sistema de Hegel, propondo uma visão dialéctica-materialista da consciência, da sociedade e da história.
Outra reacção contra o hegelianismo - reacção estreitamente vinculada à situação económica, social e intelectual resultante da revolução industrial - é representada pelo positivismo, especialmente o de Comte. Neste caso, reage-se contra o "racionalismo" hegeliano naquilo que possa ter de menosprezo da experiência, com a pretensão de instaurar um saber positivo, capaz de fundamentar uma organização político-social nova. Como Marx, Comte conserva, no entanto, embora transformando-o, um momento importante do hegelianismo: a ideia de "espírito objectivo".
O positivismo (tomado, em geral, como uma atitude renitente à especulação filosófica e propenso a considerar a ciência como forma de conhecimento, não só modelar, mas exclusiva) constitui, além disso, uma constante na história do pensamento. Apesar das suas notáveis diferenças na maneira de pôr os problemas, é possível reconhecer esta linha no empirismo do século XVIII, no positivismo do século XIX e no positivismo lógico ou empirismo lógico do século XX. O empirismo lógico ou positivismo lógico do séc. XX constitui um dos movimentos (juntamente com o "atomismo lógico" e a filosofia analítica) integrantes da corrente analítica dos nossos dias, cuja máxima originalidade consiste em haver transformado o próprio conceito de filosofia: para a corrente analítica, a filosofia não tem por objecto a realidade, mas a análise da linguagem acerca da realidade, quer se trate da linguagem ordinária ou comum, ou da linguagem científica acerca da realidade.
Outras correntes da filosofia contemporânea tomaram como objecto principal de consideração o fenómeno da história, da vida e da irreductibilidade da existência pessoal: as filosofias historicistas, vitalistas, existencialistas e personalistas. O existencialismo constitui, originalmente, uma reacção contra o hegelianismo e em favor da individualidade, colocando em primeiro plano a categoria de singularidade, preferida pelo "sistema dialéctico" de Hegel (Kierkegaard). No seu desenvolvimento no século XX (Heidegger, Sartre), a par da reacção anti-hegeliana já apontada, o existencialismo depende directamente da fenomenologia de Husserl, no tocante às suas análises da existência humana. Quanto ao vitalismo de Nietzsche, representa uma reacção não apenas contra Hegel, mas contra toda a tradição intelectualista-religiosa que se opôs à vida e aos valores vitais, desde que se verificou a aliança do platonismo com o cristianismo.
Mesmo quando as correntes filosóficas que mencionámos remetem directa ou indirectamente para Hegel, seria errado deduzir dele, por oposição ou continuação (ou por ambas as coisas), todo o pensamento contemporâneo. O descrédito geral da especulação filosófica subsequente ao hegelianismo conduziu a atitudes relativistas e cépticas contra as quais se levantou também a filosofia. Este enfrentamento com o relativismo e o cepticismo tornou-se patente a partir de diferentes posições, tanto na fenomenologia de Husserl (intento de fazer da filosofia uma ciência de rigor), como nas investigações acerca da vida e da história levadas a cabo por Dilthey e Ortega y Gasset. Estes dois filósofos pretendem compreender a vida e a história com base em categorias especificas rigorosas.
Talvez a característica externa mais saliente da filosofia contemporânea seja a disparidade de enfoques, sistemas e escolas, face ao desenvolvimento, de certo modo mais uniforme e linear, da filosofia moderna (racionalismo, empirismo, Kant, idealismo hegeliano). Para esta proliferação de pontos de vista e de escolas, contribuíram, em grande medida, factores sócio-culturais, como: a crise contemporânea dos sistemas políticos, o avanço espectacular das ciências naturais e lógico-formais e o desenvolvimento das ciências humanas, cujos métodos e resultados tiveram repercussões e consequências de interesse no campo e nos problemas da filosofia (psicanálise, estruturalismo).
Filosofia Contemporânea
Roteiro para um vídeo
por Rudinei Borges
* elaborado a partir de pesquisa em vários textos.
Introdução
Você já parou para se perguntar o que realmente significa o termo Filosofia? Claro que já ouvi que Filosofia significa amor ao conhecimento. Mas, além disso o que você sabe? Na verdade, a Filosofia é a decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido.
A palavra filosofia tem origem grega. É isso o que explica o professor Edilson Pantoja que é professor de Filosofia na cidade de Belém, no Pará. A palavra Filosofia é formada a partir da junção dos termos philia e sophia, o que nos dá em português algo como amizade pela sabedoria, amor pelo conhecimento. Interessante, não? E se pensarmos que amar implica buscar (por exemplo: quando vocês ficam a fim de alguém, não buscam conquistá-lo (a) e mantê-lo (a) conquistado (a)?), então teremos que a coisa chamada Filosofia é, enquanto “amor pelo conhecimento”, uma busca pelo conhecimento.
E embora não sirva como definição completa da Filosofia, esta imagem é realmente interessante! Ela nos dá alguma noção da natureza da Filosofia e do filosofar. Ela nos diz que filosofar é buscar conhecimento. Mas, observem: apesar da imagem nos dar uma noção bacana, ela não diz tudo o que a filosofia realmente é. Pois buscar o conhecimento não significa buscar qualquer conhecimento.
Assim como as garotas sonham encontrar um dia o seu “príncipe encantado”, isto é, assim como elas têm um ideal do cara perfeito, e de olho nesse ideal descartam os carinhas abusados, os “lisos”, os malandros, etc., ou seja, aqueles que não se encaixam no perfil ideal, também a filosofia tem um ideal de conhecimento. O conhecimento que a filosofia busca é apenas o conhecimento racional: aquele que satisfaça as exigências da razão.
Pois é, assim como as garotas são exigentes, a razão, faculdade responsável em nós pelo ato de pensar e conhecer criticamente, também é um bocado exigente. Ela não aceita qualquer verdade sem, antes, examinar criteriosamente. Faculdade profundamente crítica, a razão primeiro desconfia. Ela submete as verdades a rigoroso teste: o teste da dúvida. E só toma algo como verdadeiro se este algo passar no teste. Passar no teste significa satisfazer a todos os princípios racionais. Assim, se alguma verdade não passa no teste ou se se recusa a fazê-lo, é descartada como falsa ou dogmática.
Exemplos de “verdades” que costumam não passar no teste ou se recusam a fazê-lo: aquelas cujo fundamento exclusivo é a fé, os sentidos, o hábito, a não-reflexão. As verdades que recusam submeter-se ao teste da razão são denominadas dogmáticas. Um dogma é, pois, uma verdade concebida como absoluta, inquestionável. É próprio de todo dogma desejar a inércia, a morte do pensamento crítico.
Todo dogma se constitui adversário do pensamento racional. Por sua vez, as filosofias, na medida que criticam a pretensão de verdade contida naquelas visões de mundo, deseja também se constituir como visão de mundo, como palavra mais autorizada e verdadeira, porque racional, da realidade. E nisto há outro sério risco para o pensamento. É que a mesma vontade de verdade que alimenta a busca filosófica, contém, simultaneamente, uma vontade de domínio: cada filósofo elabora sua filosofia com a pretensão de que ela, por ser verdadeira, encerre a discussão sobre o assunto ali tratado. Pretende que ela seja a última palavra sobre o assunto. E assim, tal filosofia, que se originou com base num diálogo travado com filosofias que lhe antecederam, visa não apenas criticá-las, mas, no fim, superá-las. Aquele diálogo é, pois, expressão de um jogo de forças.
Ora, é justamente nesta vontade de domínio, importantíssima para o progresso do pensamento, que se oculta o maior risco para o pensamento filosófico. É o que pode levá-lo a também se tornar dogmático, isto é, a ser anti-filosófico.
Contudo, embora a Filosofia (com “F” maiúsculo) se constitua com base nas filosofias que cada filósofo em seu tempo elaborou, ela não se reduz a nenhuma delas. Ao contrário, expressa o movimento geral e radical do pensamento enquanto ideal de crítica. Assim, embora historicamente limitada pelas condições de cada época e de cada pensador, a Filosofia está, enquanto ideal de crítica e “amor pelo conhecimento”, sempre posta numa relação de negação com seu tempo, sempre inoportuna, sempre indesejada pelos poderes estabelecidos, quaisquer que sejam eles.
Como sabemos a História é dividida didaticamente em cinco grandes períodos: a Pré-História, a Idade Antiga, a Idade Média, a Idade Moderna e a Idade Contemporânea. Podemos tranquilamente situar o pensamento e os questionamentos filosóficos conforme essa divisão.
A articulação em – Antiguidade – Idade Média – Idade Moderna – foi enunciada pelo alemão Cristoph Cellarius (1634-1707) que, de início, correspondia à interpretação e valorização pelos Humanistas de uma história cultural européia ocidental.
Ao final do século XIX, quando da afirmação da História enquanto ciência, afirmou-se no mundo ocidental uma divisão baseada em grandes marcos ou eventos, que se denomina de “periodização clássica”:
Pré-História
A chamada Pré-história se inicia com o surgimento do Homem na Terra e dura até cerca de 4.000 a.C., quando é inventada a escrita no Crescente Fértil, mais precisamente na Mesopotâmia. Caracteriza-se pelo nomadismo, e pelas atividades de caça e de coleta. Nessa época temos o surgimento da agricultura e da pecuária, o que após alguns anos levou os homens pré-históricos ao sendentarismo e a criação das primeiras cidades. Nesse período foram feitas grandes descobertas sem as quais hoje seria muito difícil viver. No paleolítico tivemos a descoberta do fogo e, mais tarde na Idade dos Metais ou Metalurgia, a de que os metais poderiam ser fundidos e até misturados uns aos outros.
Idade Antiga
A Antiguidade é computada de cerca de 4.000 a.C. até 476 d.C., quando ocorre a queda do Império Romano do Ocidente. É estudada com estreita relação ao Próximo Oriente, onde floresceram as primeiras civilizações, sobretudo no chamado Crescente Fértil, que atraiu, pelas possibilidades agrícolas, os primeiros habitantes da Turquia, Espanha, Portugal, França e Alemanha. Marcaram profundamente a filosofia na Idade Antiga pensadores como Tales de Mileto, Heráclito, Epicuro, Sócrates, Platão, Aristóteles, Zenão de Cítio e Epicuro.
Idade Média
A Idade Média é computada de 476 d.C. até 1453, quando ocorre a conquista de Constantinopla pelos turcos otomanos e consequente queda do Império Romano do Oriente. Caracterizou-se pelo modo de produção feudal. A Filosofia Medieval foi bastante influenciada pelo cristianismo. Neste período temos pensadores como Santo Agostinho, Santo Anselmo, Tomás de Aquino e Guilherme de Ockham.
Idade Moderna
A chamada Idade Moderna inicia no ano de 1453 e vai até 1789, quando acontece uma grande revolução na França, conhecida como “A Revolução Francesa”. Compreende o período da invenção da Imprensa, os descobrimentos marítimos e o Renascimento. Caracteriza-se pelo nascimento do modo de produção capitalista. Deste período temos vários filósofos significativos, como: Descartes, Thomas Hobbes, Rousseau, Locke, Giordano Bruno, Nicolau Copérnico, Maquiavel, Galileu Galilei, Francis Bacon, Pascal, Espinosa, David Hume, George Berkeley, Monstequieu, Voltaire, Diderot e Adam Smith. Por último, na passagem para a Idade Contemporânea, econtramos a singular e densa obra de Immanuel Kant.
Idade Contemporânea
Já a Idade Contemporânea compreende o espaço de tempo que vai da Revolução Francesa aos nossos dias. Portanto, é importante lembrar que somos parte da história contemporânea, da história atual. O que acontece agora é reponsabilidade nossa. A Idade Contemporânea está marcada de maneira geral, pelo desenvolvimento e consolidação do regime capitalista no ocidente e, consequentemente pelas disputas das grandes potências européias por territórios, matérias-primas e mercados consumidores.
No seu início, A Filosofia Contemporânea foi bastante marcada pela corrente filosófica iluminista. O iluminismo representava o perícdo em que novas luzes ou novas ideias surgiam na mente humana, apontando para um tempo em que somente a razão humana iria predominar. Filósofos iluministas como Monstequieu, Voltarie, Diderot, Adam Smith e também Immanuel Kant elevavam a importância da razão. Havia um sentimento de que as ciências iriam sempre descobrindo novas soluções para os problemas humanos e que a civilização humana progredia a cada ano com os novos conhecimentos adquiridos.
O pesquisador Neil Turnbull em seu dinâmico e ilustrado livro “Fique por dentro da filosofia” – já traduzido para o português – afirma que os filósofos iluministas acreditavam que, se a razão e a racionalidade se tornassem os princípios organizadores das sociedades modernas, isso levaria ao desenvolvimento de uma verdadeira sociedade justa, baseada em valores de progresso social, tolerância e obediência à vontade geral.
Mas como veremos adiante, uma das características mais interessantes da Filosofia Contemporânea é a disparidade de enfoques, sistemas e escolas, face ao desenvolvimento, de certo modo mais uniforme e linear, da Filosofia Moderna. Para esta proliferação de pontos de vista e de escolas, contribuíram, em grande medida, fatores sócio-culturais, como: a crise contemporânea dos sistemas políticos, o avanço espetacular das ciências naturais e lógico-formais e o desenvolvimento das ciências humanas, cujos métodos e resultados tiveram repercussões e consequências de interesse no campo e nos problemas da filosofia, como o surgimento da Psicologia, da Sociologia e Antropologia, por exemplo.
Para compreendermos todo este processo é necessário que você preste bastante atenção e anote todas as suas dúvidas durante a exibição deste vídeo. Anote as palavras que você não entendeu, o nome dos filósofos que você não conhece e as novas palavras que surgirem durante a nossa conversa. Depois pesquise em livros, em sites especializados na internet ou pergunte para o seu professor. Convide e anime também os seus colegas para acompanharem a nossa viagem a partir de agora. O que falaremos e apresentaremos neste vídeo diz respeito a você e a tudo que acontece atualmente no mundo. E você faz parte. Você é o sujeito protagonista de sua história e da história do mundo. Com suas reflexões e ações você poderá mudar e fazer coisas novas e interessantes para o mundo.
Para começar, vamos nos perguntar: qual era a realidade em que surgiu o que estamos chamando de Filosofia Contemporânea? Como você sabe tudo tem um começo, um meio e um fim. A Filosofia Contemporânea teve o seu começo, porém para a maioria dos estudiosos ela ainda não chegou ao fim. Então, quer dizer que você faz parte dessa história.
Bem, para chegarmos a uma resposta é interessante saber que a partir da metade do século XVIII, ou seja, há uns 250 anos atrás, o que é pouco tempo se pensarmos em termos históricos, o sistema capitalista foi se consolidando em diversos países da Europa e em outras regiões do mundo. Você sabe o que significa o termo sistema capitalista? Então, vamos lembrar: o capitalismo é um sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, na organização da produção visando o lucro. Os empregados são assalariados e os produtos produzidos são vendidos a partir de um preço estabelecido. O Brasil, por exemplo, é um país capitalista. O que queremos dizer é que o capitalismo não existiu sempre e quando inicia a Filosofia Contemporânea este sistema econômico estava se estabilizando na Europa e mais tarde também no nosso país, que hoje é uma das maiores economias do planeta.
Neste período ocorreu a Revolução Industrial, com isso as antigas oficinas dos artesãos foram sendo substituídas pelas fábricas, e muitas ferramentas pelas novas máquinas. Antes da Revolução Industrial, um sapato, por exemplo, era confeccionado na oficina de um artesão ou sapateiro, mas depois da Revolução o sapato passou a ser feito em fábricas. Surgiram novas fontes de energia, como o carvão, a eletricidade e o petróleo. No século XIX surgiram novas invenções tecnológicas, como a locomotiva elétrica, o motor a gasolina, o automóvel, o motor a diesel, o telégrafo, o telefone e o rádio.
Um marco decisivo para o início da Idade Contemporânea e da Filosofia desse período foi a Revolução Francesa, como citamos antes. A revolução ocorreu de 1789 a 1799. Esse movimento foi, em grande parte, liderado por grupos burgueses que, a partir de certa ascensão econômica, reivindicaram participação no poder político e na construção de novo modelo de sociedade. Entretanto, além dos anseios próprios das burguesias, a Revolução Francesa também trouxe à cena aspirações dos trabalhadores urbanos e rurais.
E o entusiasmo com a razão humana dos filósofos iluministas? Ah, este ânimo em grande parte foi minguando no período contemporâneo. Os novos filósofos lançaram desconfiança em relação aos diversos frutos, tantas vezes inesperados, da ciência e da tecnologia. Muitos filósofos começaram a questionar a supremacia da razão. Então, anote aí algumas perguntas que são típicas da Filosofia Contemporânea:
Será que a ciência poderá resolver todos os problemas da humanidade?
O homem deve confiar apenas na razão?
A tecnologia impedirá o fim da humanidade?
Ouça o que disse Horkheimer, famoso filósofo do século XX, em seu livro “Eclipse da razão”:
“Parece que enquanto o conhecimento técnico expande o horizonte da atividade e do pensamento humanos, a autonomia do homem enquanto indivíduo, a sua capacidade de opor resistência ao crescente mecanismo de manipulação de massas, o seu poder de imaginação e o seu juízo independente sofreram uma redução. O avanço dos recursos técnicos de informação se acompanha de um processo de desumanização.”
Horkheimer opõe o conhecimento técnico e autonomia do homem enquanto indivíduo. Parece que a tecnologia tem diminuído a capacidade do ser humano em se opor aos mecanismos de manipulação do sistema capitalista. Você concorda com o filósofo? Será que a tecnologia desumaniza o homem?
O Enigma da razão
Como você deve ter percebido, a Filosofia Contemporânea fundamenta-se em alguns conceitos que foram elaborados no século XIX. Um desses conceitos é o conceito de história, que foi formulado pelo filósofo Hegel. A filosofia de Hegel, conforme observou a pesquisadora Heidi Strecker, relaciona-se com as ideias de totalidade e de processo. Passamos a entender o homem como um ser histórico, assim como a sociedade.
Uma das consequências dessa percepção é a idéia de progresso. O filósofo Auguste Comte foi um dos principais teóricos a pensar essa questão. Tanto a razão quanto o saber científico caminham na direção do desenvolvimento do homem (o lema da bandeira brasileira, ordem e progresso, é inspirado nas idéias de Comte).
As utopias políticas elaboradas no século XIX, como o anarquismo, o socialismo e o comunismo, também devem muito à ideia de desenvolvimento e progresso, como caminho para uma sociedade justa e feliz.
A ideia de que a história fosse um movimento contínuo e progressivo em direção ao aperfeiçoamento sofreu duras restrições durante o século XX.
No século XX, porém, formou-se a noção de que o progresso é descontínuo, isto é, não se faz por etapas sucessivas. Desse modo, a história universal não é um conjunto de várias civilizações em etapas diferentes de desenvolvimento. Cada sociedade tem sua própria história. Cada cultura tem seus próprios valores.
Essa visão de mundo possibilitou o desenvolvimento de várias ciências como a etnologia, a antropologia e as ciências sociais, como citamos inicialmente.
A confiança no saber científico foi outra das atitudes filosóficas que se desenvolveram no século XIX. Essa atitude implica que a natureza pode ser controlada pela ciência e pela técnica. Mas não apenas isso, o desenvolvimento da ciência e da técnica passa a ser capaz de levar ao progresso vários aspectos da vida humana. Surgiram disciplinas como a psicologia, a sociologia e a pedagogia.
No século XX, a filosofia passou a colocar em cheque o alcance desses conhecimentos. Essas ciências podem não conseguir abranger a totalidade dos fenômenos que estudam. E também muitas vezes não conseguem fundamentar e validar suas próprias descobertas.
A idéia de que a razão, a ciência e o conhecimento são capazes de dar conta de todos os aspectos da vida humana também foi pensada criticamente por dois grandes filósofos: Karl Marx e Sigmund Freud.
No campo político, Marx tornou relativa a idéia de uma razão livre e autônoma ao formular a noção de ideologia – o poder social e invisível que nos faz pensar como pensamos e agir como agimos.
No campo da psique, Freud abalou o edifício das ciências psicológicas ao descobrir a noção de inconsciente – como poder que atua sem o controle da consciência.
A idéia de progresso humano como percurso racional sofreu um duro golpe com a ascensão dos regimes totalitários, como o nazismo, o fascismo e o stalinismo. O desencanto tomou o lugar da confiança que existia anteriormente na idéia de uma razão triunfante.
Para fazer face a essa realidade, um grupo de intelectuais alemães, conhecido como Escola de Frankfurt, elaborou uma teoria que ficou conhecida como teoria crítica. Desta escola fazia parte filósofos, como Walter Benjamin, Herbert Marcuse e Theodor Adorno, aos quais se pode ligar o pensamento de Habermas. Um dos principais filósofos desse grupo é o já comentado Max Horkheimer. Ele pensou que as transformações na sociedade, na política e na cultura só podem se processar se tiverem como fim a emancipação do homem e não o domínio técnico e científico sobre a natureza e a sociedade.
Esse pensamento distingue a razão instrumental da razão crítica. O que seria a razão instrumental? Aquela que transforma as ciências e as técnicas num meio de intimidação do homem, e não de libertação. E a razão crítica? É a que estuda os limites e os riscos da aplicação da razão instrumental.
O filósofo Jean-Paul Sartre também pensou as questões do homem frente à liberdade e ao seu compromisso com a história. Utilizando também as contribuições do marxismo e da psicanálise, o filósofo elaborou um pensamento sistemático que põe em relevo a noção de existência em lugar da essência.
O estudo da linguagem científica, dos fundamentos e dos métodos das ciências tornou-se um foco de atenção importante para a filosofia contemporânea. O filósofo Edmund Husserl propôs à filosofia a tarefa de estudar as possibilidades e os limites do próprio conhecimento. Husserl desenvolveu uma teoria chamada fenomenologia.
As formas e os modos de funcionamento da linguagem foram estudados pelo filósofo Ludwig Wittgenstein. A filosofia analítica é uma disciplina que se vale da análise lógica como método e entende a linguagem como objeto da filosofia. Bertrand Russel e Quine também estudaram os problemas lógicos das ciências, a partir da linguagem científica.
A Filosofia de Hegel
Alemanha, 1770.
Talvez ninguém como o filósofo alemão Georg Hegel, que nasceu em 1770 e faleceu em 1831, tenha conseguido montar um sistema filosófico tão completo. Nas pesquisas do professor Gilberto Cotrim, Hegel é apontado como o ponto culminante do racionalismo, da crença que a razão é o elemento solucionador dos problemas humanos. Hegel integra o grupo de pensadores que defendiam o idealismo. Esse modo de pensar ficou conhecido como Idealismo Alemão. Ele escreveu importantes ensaios como “Fenomenologia do espírito”, “Princípios da filosofia do direito” e “Lições sobre a história da filosofia”.
A carreira de Hegel levou-o a ser editor de jornal, diretor de escola e finalmente professor de filosofia, primeiro na cidade de Heidelberg e depois em Berlim, a capital da Alemanha.
O que é a realidade? Esta é uma pergunta que Hegel responde com clareza. Hegel via a realidade como uma unidade orgânica, uma unidade que não estava numa condição estável mas num constante processo de desenvolvimento. Achou difícil? Então, vamos lá. A realidade está sempre em processo de construção. Como cantava Cazuza, um dos maiores artistas brasileiros da década de 1980, “o tempo não pára, não pára não”. A meta final do desenvolvimento da realidade é a obtenção do auto-reconhecimento e do auto-entendimento.
Veja esta afirmação de Hegel: A realidade é produto da atividade da mente racional. A mente é uma espécie de espírito universal. Mas isso não tem nada haver com o sentido religioso da palavra espírito. Hegel entendia a realidade como espírito. Na língua alemã, Hegel usava a palavra GEIST. Para o nosso filósofo a Geist é a existência mesma, a essência última do ser. O processo histórico inteiro que constitui a realidade é o desenvolvimento de Geist. A razão era considerada o princípio que governa o movimento desse espírito ao longo da história. Ou seja, anote aí: O que move a história são as suas contradições. Se a história fosse um carro, o seu motor se chamaria “contradição”.
Hegel chamava a contradição de movimento dialético ou dialética. Ele quis captar em sua filosofia o movimento dialético da realidade. Imaginemos uma planta. Assim como um botão precisa desaparecer para que uma flor surja, e a flor desaparece para que surja o fruto, da mesma forma, todas as coisas passam por um processo dinâmico de transformações que leva a uma síntese superior.
A dialética não é uma forma de pensar a realidade, mas sim o movimento real da realidade. Por isso, para acompanhar a realidade, o pensamento também deve ser dialético. A realidade é um contínuo devir, vir a ser. Um momento prepara outro momento mas, para que esse outro momento aconteça, o anterior tem de ser negado. Esses três momentos são comumente chamados de tese, antítese e síntese. É um movimento circular que não se fecha, pois cada momento final, que seria a síntese, se torna a tese de um movimento posterior, de caráter mais avançado.
Para compreender, preste atenção no nosso resumo. A filosofia de Hegel declara que a história é um processo social dirigido por contradições entre sistemas de idéias que competem entre si. Essa contradição era considerada parecida com a luta entre escravo e senhor, que só podia ser resolvida quando o senhor finalmente reconhecesse o escravo como pessoa livre. Da mesma forma, as ideias lutam por reconhecimento: quando as mais fracas são reconhecidas como válidas e significativas pelas mais fortes, acontece uma mudança nessas últimas. Nesse momento, um novo conjunto de ideias emerge e engloba ambas. Hegel chamava tal fato de processo dialético, um processo de mudança histórica que produz novas e melhores formas de conhecimento mediante o processo de tese, antítese e, finalmente, uma nova síntese.
Para Hegel, é nossa compreensão da história, e não da ciência, que nos oferece a melhor maneira de compreendermos a nós mesmos e ao nosso meio ambiente. O fato de ter perguntado “o que é a história?” e “em que direção caminha a história” faz dele um filósofo de importância suprema. E para você: para onde caminha a história? Quem faz a história?
Apesar de toda a sua grande filosofia nem todo mundo concorda com Hegel. Muitos filósofos se opuseram corajosamente ao seu modo idealista de pensar o mundo. Entretanto, outro filósofo alemão ficou impressionado com o pensamento de Hegel. Ele se chama Karl Marx.
Karl Marx
Alemanha, 1818.
Com certeza, você já ouviu falar de Karl Marx. Bem ou mal, mas já ouvi. Principalmente quando falam do comunismo, da luta de classes, da exploração dos mais pobres pelos mais ricos. Na verdade, Marx é desses filósofos que são amados ou odiados. Porém, antes de você amar ou odiar Marx é preciso conhecê-lo de perto. Este homem de olhar sério, barba e cabelos longas influencia muito a sua visão de mundo. E você nem sabe explicar. Muito prazer, vamos apresentar Marx. Karl Marx.
Ele nasceu na cidade alemã de Trier. Seus pais eram judeus que se converteram ao luteranismo quando Marx tinha seis anos, mas ele próprio foi profundamente anti-religioso quando chegou à adolescência. Para Marx, a religião é o ópio do povo. Ou seja, a religião é como uma cegueira que não nos permite enxergar a realidade como ele realmente é. Como dizíamos, Marx ficou impressionado com a visão de Hegel sobre a mudança histórica. Marx argumentou que o verdadeiro motor da mudança histórica progressiva não era o conflito entre sistemas abstratos de idéias, porém um conflito real entre classes sociais, grupos com interesses materiais muito diferentes. Ele considerava como o mais importante conflito da sociedade moderna aquele entre a burguesia, os patrões, e o proletariado, os trabalhadores. Esse conflito seria finalmente resolvido por uma vitória do proletariado em uma revolução social, seguida pela ditadura do proletariado e finalmente, a dissolução de todas as formas de controle social e a emergência de uma sociedade realmente livre e justa. O primeiro escrito filosófico de Marx, “Os manuscritos econômicos-filosóficos”, era fundamentalmente humanista, preocupado em saber como os seres humanos podem se desenvolver por meio da atividade criativa livre.
Na verdade, Marx foi um homem e um filósofo preocupado com a exploração dos trabalhadores. Ele não conseguia acompanhar a exploração injusta do capitalismo, por isso desenvolveu suas teorias. Ele pensava que foi negado à maioria da população trabalhadora a oportunidade de se desenvolver integralmente como indivíduos, por terem sido forçados a vender sua força de trabalho para capitalistas exploradores: homens de negócios gananciosos para quem os trabalhadores eram fonte de lucro e não seres humanos. Os indivíduos viam-se, assim, reduzidos a mercadorias abstratas que podiam ser trocadas por qualquer outra.
No famoso “Manifesto Comunista”, Marx afirma que toda a história humana pode ser entendida como uma série de lutas de classes. No mundo medieval feudal, o conflito mais marcante foi entre a classe mercantil e a velha aristocracia, cuja resolução foi o novo sistema social, o capitalismo, que também se dividia em classes, apesar de pretender o contrário. O motor da história moderna sob o capitalismo, para Marx, seria a luta política entre a burguesia e o proletariado. Essa luta levaria à extinção do capitalismo e daria origem a uma sociedade comunista na qual todos viveriam de acordo com a máxima de cada um segundo suas habilidades, para cada um segundo suas necessidades.
Uma pausa! Você sabe o que é o comunismo? Vamos lembrar. Comunismo é um sistema econômico e social baseado na propriedade coletiva. O comunismo é diferente do capitalismo, sistema em que a propriedade é privada. O comunismo, como o entendemos, foi desenvolvido teoricamente por Karl Marx e proposto pelos partidos comunistas como etapa posterior ao socialismo. E o que é o socialismo? É um conjunto de doutrinas que se propõem promover o bem comum pela transformação da sociedade e das relações entre as classes sociais, mediante a alteração do regime da propriedade privada.
Marx denunciou que o capitalismo usava ideologias para enganar os trabalhadores. Ideologia, para o nosso filósofo, é um conjunto de idéias que cria a ilusão de que o mundo é bastante justo e livre, mascarando dessa forma as duras realidades do capitalismo moderno.
O grande trabalho filosófico de Marx foi o livro “O Capital”. Descrito com a bíblia da classe operária numa resolução da Associação Operária Internacional. O Capital foi publicado em Berlim em 1867. No que viria a ser um dos livros mais influentes do século XIX, Marx previa a substituição do capitalismo pelo socialismo. Apenas o primeiro volume foi concluído em vida de Marx: o segundo e o terceiro volumes foram editados por Friedrich Engels, o maior companheiro de Marx. Engels compartilhava das mesmas ideias de Marx e foi um importante filósofo. Com Engels, Marx escreveu “O Manifesto Comunista”.
Por fim, vamos entender o pensamento de Marx e Engels a partir de suas próprias palavras no “Manifesto Comunista” publicado em 1848. Eles afirmavam:
“A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre de corporação e aprendiz; numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre, ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em luta.”
Karl Marx é um dos mais importantes pensadores da Filosofia Contemporânea. Ele contribuiu com a economia, com a política e com a política de modo decisivo. Apesar da influência que recebeu de Hegel foi crítico corajoso do idealismo daquele filósofo. Também se opuseram ao racionalismo de Hegel vários pensadores como o dinamarquês Sören Kierkegaard.
Kierkegaard
Dinamarca, 1813.
Na metade do século XIX, surge uma variedade particularmente depressiva do pensamento romântico. Com as ideias do filósofo dinamarquês Soren Kierkegaard, que faleceu em 1855, podemos observar um novo pessimismo cultural sobre a natureza e o significado d aliberdade humana. Em seu livro “Ou isto ou aquilo, um fragmento de vida”, Kierkegaard enfatiza os custos psicológicos da liberdade moderna. Assinala que para a maioria das pessoas a vida parece apresentar uma série de escolhas que o indivíduo tem que resolver sozinho, sem a ajuda da razão, da tradição ou da fé religiosa.
Em seu livro “O desespero humano – doença até a morte”, Kierkegaard vê a vida moderna sendo governada por alguns estados emocionais muito dolorosos: ansiedade de escolha, medo do futuro e frivolidade diante da morte. Suas ideias influenciaram escritores como Franz Kafka e Albert Camus.
Kierkegaard, conforme pesquisamos em diversos estudos e artigos, é um dos raros autores cuja vida exerceu profunda influência no desenvolvimento da obra. As inquietações e angústias que o acompanharam estão expressas em seus textos, incluindo a relação de angústia e sofrimento que ele manteve com o cristianismo – herança de um pai extremamente religioso, que cultuava a maneira exacerbada os rígidos princípios do protestantismo dinamarquês, religião de Estado.
Filosoficamente, fez a ponte entre a filosofia de Hegel e aquilo que se tornaria o existencialismo. Kierkegaard rejeitou a filosofia hegeliana do seu tempo e aquilo que ele viu como o formalismo vácuo da igreja luterana dinamarquesa. Muitas das suas obras lidam com problemas religiosos tais como a natureza da fé, a instituição da fé cristã, e ética cristã e teologia. Por causa disto, a obra de Kierkegaard é, algumas vezes, caracterizada como existencialismo cristão, em oposição ao existencialismo ateu de Jean-Paul Sartre.
Sétimo filho de um casamento que já durava muitos anos – nasceu em 1813, quando o pai, rico comerciante de Copenhague, tinha 56 e a mãe 44 –, chamava a si mesmo de “filho da velhice” e teria seguido a carreira de pastor caso não houvesse se revelado um estudante indisciplinado e boêmio. Trocou a Universidade de Copenhague, onde entrara em 1830 para estudar filosofia e teologia, pelos cafés da cidade, os teatros, a vida social.
Foi só em 1837, com a morte do pai e o relacionamento com Regina Oslen (de quem se tornaria noivo em 1840), que sua vida mudou. O noivado, em particular, exerceria uma influência decisiva em sua obra. A partir daí seus textos tornaram-se mais profundos e seu pensamento, mais religioso. Também em 1840 ele conclui o curso de teologia, e um ano depois apresentava “Sobre o Conceito de Ironia”, sua tese de doutorado.
A posição de Kierkegaard leva algumas pessoas a levantar dúvidas a respeito do caráter filosófico de seu pensamento. Para elas, tratar-se muito mais de um pensador religioso do que de um filósofo. Para além das minúcias que essa distinção envolveria, cabe verificar o que ela pode trazer de esclarecedor acerca do estilo de pensamento de Kierkegaard. Pode-se perguntar, por exemplo, quais as questões fundamentais que lhe motivam a reflexão, ou, então, qual a finalidade que ele intencionalmente deu à sua obra.
Estamos habituados a ver, na raiz das tentativas filosóficas que se deram ao longo da história, razões da ordem da reforma do conhecimento, da política, da moral. Em Kierkegaard não encontramos, estritamente, nenhuma dessas motivações tradicionais. Isso fica bem evidenciado quando ele reage às filosofias de sua época – em especial à de Hegel. Não se trata de questionar as incorreções ou as inconsistências do sistema hegeliano. Trata-se muito mais de rebelar-se contra a própria idéia de sistema e aquilo que ela representa.
Para Hegel, o indivíduo é um momento de uma totalidade sistemática que o ultrapassa e na qual, ao mesmo tempo, ele encontra sua realização. O individual se explica pelo sistema, o particular pelo geral. Em Kierkegaard há um forte sentimento de irredutibilidade do indivíduo, de sua especificidade e do caráter insuperável de sua realidade. Não devemos buscar o sentido do indivíduo numa harmonia racional que anula as singularidades, mas, sim, na afirmação radical da própria individualidade.
De onde provém, no entanto, essa defesa arraigada daquilo que é único? Não de uma contraposição teórico-filosófica a Hegel, mas de uma concepção muito profunda da situação do homem, enquanto ser individual, no mundo e perante aquilo que o ultrapassa, o infinito, a divindade. A individualidade não deve portanto ser entendida primordialmente como um conceito lógico, mas como a solidão característica do homem que se coloca como finito perante o infinito. A individualidade define a existência.
Para Kierkegaard, o homem que se reconhece finito enquanto parte e momento da realização de uma totalidade infinita se compraz na finitude, porque a vê como uma etapa de algo maior, cujo sentido é infinito. Ora, comprazer-se na finitude é admitir a necessidade lógica de nossa condição, é dissolver a singularidade do destino humano num curso histórico guiado por uma finalidade que, a partir de uma dimensão sobre-humana, dá coerência ao sistema e aplaca as vicissitudes do tempo.
Mas o homem que se coloca frente a si e a seu destino desnudado do aparato lógico não se vê diante de um sistema de ideias mas diante de fatos, mais precisamente de um fato fundamental que nenhuma lógica pode explicar: a fé. Esta não é o sucedâneo afetivo daquilo que não posso compreender racionalmente; tampouco é um estágio provisório que dure apenas enquanto não se completam e fortalecem as luzes da razão. É, definitivamente, um modo de existir. E esse modo me põe imediatamente em relação com o absurdo e o paradoxo. O paradoxo de Deus feito homem e o absurdo das circunstâncias do advento da Verdade.
Cristo, enquanto Deus tornado homem, é o mediador entre o homem e Deus. É por meio de Cristo que o homem se situa existencialmente perante Deus. Cristo é portanto o fato primordial para a compreensão que o homem tem de si. Mas o próprio Cristo é incompreensível. Não há portanto uma mediação conceitual, algum tipo de prova racional que me transporte para a compreensão da divindade. A mediação é o Cristo vivo, histórico, dotado, e o fato igualmente incompreensível do sacrifício na cruz. Aqui se situam as circunstâncias que fazem do advento da Verdade um absurdo: a Verdade não nos foi revelada com as pompas do conceito e do sistema. Ela foi encarnada por um homem obscuro que morreu na cruz como um criminoso. O acesso à Verdade suprema depende pois da crença no absurdo, naquilo que São Paulo já havia chamado de “loucura”. No entanto, é o absurdo que possibilita a Verdade. Se permanecesse a distância infinita que separa Deus e o homem, este jamais teria acesso à Verdade. Foi a mediação do paradoxo e do absurdo que recolocou o homem em comunicação com Deus. Por isso devemos dizer: creio porque é absurdo. Somente dessa maneira nos colocamos no caminho da recuperação de uma certa afinidade com o absoluto.
Não há, portanto, outro caminho para a Verdade a não ser o da interioridade, o aprofundamento da subjetividade. Isso porque a individualidade autêntica supõe a vivência profunda da culpa: sem esse sentimento, jamais nos situaremos verdadeiramente perante o fato da redenção e, conseqüentemente, da mediação do Cristo.
O Sofrimento Necessário
A subjetividade não significa a fuga da generalidade objetiva: ao contrário, somente aprofundando a subjetividade e a culpa a ela inerente é que nos aproximaremos da compreensão original de nossa natureza: o pecado original. E a compreensão irradia luz sobre a redenção e a graça, igualmente fundamentais para nos sentirmos verdadeiramente humanos, ou seja, de posse da verdade humana do cristianismo. A autêntica subjetividade, insuperável modo de existir, se realiza na vivência da religiosidade cristã.
A subjetividade de Kierkegaard não é tributária apenas da atmosfera romântica que envolvia sua época. Seu profundo significado a-histórico tem a ver, mais do que com essa característica do Romantismo, com uma concepção de existência que torna todos os homens contemporâneos de Cristo. O fato da redenção, embora histórico, possui uma dimensão que o torna referência intemporal para se vivenciar a fé. O cristão é aquele que se sente continuamente em presença de Deus pela mediação do Cristo. Por isso a religião só tem sentido se for vivida como comunhão com o sofrimento da cruz. Por isso é que Kierkegaard critica o cristianismo de sua época, principalmente o protestantismo dinamarquês, penetrado, segundo ele, de conceituação filosófica que esconde a brutalidade do fato religioso, minimiza a distância entre Deus e o homem e sufoca o sentimento de angústia que acompanha a fé.
Essa angústia, no entender de Kierkegaard, estaria ilustrada no episódio do sacrifício de Abraão. Esse relato bíblico indica a solidão e o abandono do indivíduo voltado unicamente para a vivência da fé. O que Deus pede a Abraão – que ele sacrifique o único filho para demonstrar sua fé – é absurdo e desumano segundo a ética dos homens.
Não se trata, nesse caso, de optar entre dois códigos de ética, ou entre dois sistemas de valores. Abraão é colocado diante do incompreensível e diante do infinito. Ele não possui razões para medir ou avaliar qual deve ser sua conduta. Tudo está suspenso, exceto a relação com Deus.
O Salto da Fé
Abraão não está na situação do herói trágico que deve escolher entre valores subjetivos (individuais e familiares) e valores objetivos (a cidade, a comunidade), como no caso da tragédia grega. Nada está em jogo, a não ser ele mesmo e a sua fé. Deus não está testando a sabedoria de Abraão, da mesma forma como os deuses testavam a sabedoria de Édipo ou de Agamenon. A força de sua fé fez com que Abraão optasse pelo infinito.
Mas, caso o sacrifício se tivesse consumado, Abraão ainda assim não teria como justificá-lo à luz de uma ética humana. Continuaria sendo o assassino de seu filho. Poderia permanecer durante toda a vida indagando acerca das razões do sacrifício e não obteria resposta. Do ponto de vista humano, a dúvida permaneceria para sempre. No entanto Abraão não hesitou: a fé fez com que ele saltasse imediatamente da razão e da ética para o plano do absoluto, âmbito em que o entendimento é cego. Abraão ilustra na sua radicalidade a situação de homem religioso. A fé representa um salto, a ausência de mediação humana, precisamente porque não pode haver transição racional entre o finito e o infinito. A crença é inseparável da angústia, o temor de Deus é inseparável do tremor.
Por tudo o que a existência envolve de afirmação de fé, ela não pode ser elucidada pelo conceito. Este jamais daria conta das tensões e contradições que marcam a vida individual. Existir é existir diante de Deus, e a incompreensibilidade da infinitude divina faz com que a consciência vacile como diante de um abismo. Não se pode apreender racionalmente a contemporaneidade do Cristo, que faz com que a existência cristã se consuma num instante e ao mesmo tempo se estenda pela eternidade. A fé reúne a reflexão e o êxtase, a procura infindável e a visão instantânea da Verdade; o paradoxo de ser o pecado ao mesmo tempo a condição de salvação, já que foi por causa do pecado original que Cristo veio ao mundo. Qualquer filosofia que não leve em conta essas tensões, que afinal são derivadas de estar o finito e o infinito em presença um do outro, não constituirá fundamento adequado da vida e da ação. A filosofia deve ser imanente à vida. A especulação desgarrada da realidade concreta não orientará a ação, muito simplesmente porque as decisões humanas não se ordenam por conceitos, mas por alternativas e saltos.
Outro notável filósofo romântico foi o alemão Arthur Schopenhauer. Como Kierkegaard, Schopenhauer preocupava-se com a questão da liberdade. Para ele, ser livre significa a liberação de uma vontade que nunca pode ser satisfeita, sendo a vida humana, portanto, destinada ao desapontamento.
Schopenhauer
Alemanha, 1788.
O que você responderia se alguém perguntasse: a vida é essencialmente um sofrimento? No sistema de Schopenhauer, a vontade é a raiz metafísica do mundo e da conduta humana; ao mesmo tempo, é a fonte de todos os sofrimentos. Ou seja, todos nós somos donos de uma vontade insaciável. Desejamos o tempo todo. Sua filosofia é, assim, profundamente pessimista, pois a vontade é concebida em seu sistema como algo sem nenhuma meta ou finalidade, um querer irracional e inconsciente. Sendo um mal inerente à existência do homem, ela gera a dor, necessária e inevitavelmente, aquilo que se conhece como felicidade seria apenas a interrupção temporária de um processo de infelicidade e somente a lembrança de um sofrimento passado criaria a ilusão de um bem presente. Para Schopenhauer, o prazer é momento fugaz de ausência de dor e não existe satisfação durável. Todo prazer é ponto de partida de novas aspirações, sempre obstadas e sempre em luta por sua realização: “Viver é sofrer”. Schopenhauer influenciou uma geração de artistas, como o cantor e compositor brasileiro, Renato Russo. O líder do Legião Urbana revelava em várias de suas músicas, o que podemos chamar de “dor de viver”. Em discos aclamados pela crítica musical, como o famoso “Cinco” e “A tempestade” as composições de Renato Russo, Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá são permeadas de um pessemismo arrebatador. Na música “Quando o sol bater na janela do teu quarto”, Renato Russo cita Schopenhauer literalmente: “tudo é dor e toda dor vem do desejo de não sentirmos dor”.
Mas, apesar de todo seu profundo pessimismo, a filosofia de Schopenhauer aponta algumas vias para a suspensão da dor. Num primeiro momento, o caminho para a supressão da dor encontra-se na contemplação artística. A contemplação desinteressada das idéias seria um ato de intuição artística e permitiria a contemplação da vontade em si mesma, o que, por sua vez, conduziria ao domínio da própria vontade. Na arte, a relação entre a vontade e a representação inverte-se, a inteligência passa a uma posição superior e assiste à história de sua própria vontade; em outros termos, a inteligência deixa de ser atriz para ser espectadora. A atividade artística revelaria as idéias eternas através de diversos graus, passando sucessivamente pela arquitetura, escultura, pintura, poesia lírica, poesia trágica, e, finalmente, pela música. Em Schopenhauer, pela primeira vez na história da filosofia, a música ocupa o primeiro lugar entre todas as artes. Liberta de toda referência específica aos diversos objetos da vontade, a música poderia exprimir a Vontade em sua essência geral e indiferenciada, constituindo um meio capaz de propor a libertação do homem, em face dos diferentes aspectos assumidos pela Vontade.
Schopenhauer nasceu em 1788 e faleceu em 1860. Sua obra principal é O mundo como vontade e representação, embora o seu livro Parerga e Paralipomena (1851) seja o mais conhecido. Foi o pensador que mais atacou Hegel. Schopenhauer foi o filósofo que introduziu o Budismo e o pensamento indiano na metafísica alemã. Ficou conhecido por seu pessimismo e entendia o Budismo como uma confirmação dessa visão. Schopenhauer também combateu fortemente a filosofia hegeliana e influenciou fortemente o pensamento de Friedrich Nietzsche.
O pensamento de Schopenhauer parte de uma interpretação de alguns pressuposto da filosofia de Kant, em especial de sua concepção de Fenômeno. Esta noção leva Schopenhauer a postular que o mundo não é mais que Representação. Mas será que o mundo e tudo que existe é apenas representação? Vamos entender o que afirmou o engmático Schopenhauer. Esta conta com dois pólos inseparáveis: por um lado, o objeto, constituído a partir de espaço e tempo; por outro, a consciência subjetiva acerca do mundo, sem a qual este não existiria. Contudo, Schopenhauer rompe com Kant, uma vez que este afirma a impossibilidade da consciência alcançar a Coisa-em-si, isto é, a realidade não fenomênica. Segundo Schopenhauer, ao tomar consciência de si, o homem se experiencia como um ser movido por aspirações e paixões. Estas constituem a unidade da Vontade, compreendida como o princípio norteador da vida humana. Você entendeu? O que norteia a nossa vida é a nossa vontade. Voltando o olhar para a natureza, o filósofo percebe esta mesma Vontade presente em todos os seres, figurando como fundamento de todo e qualquer movimento. Para Schopenhauer, a Vontade corresponde à Coisa-em-si; ela é o substrato último de toda realidade.
A vontade, no entanto, não se manifesta como um princípio racional; ao contrário, ela é o impulso cego que leva todo ente, desde o inorgânico até o homem, a desejar sua preservação. A consciência humana seria uma mera superfície, tendendo a encobrir, ao conferir causalidade a seus atos e ao próprio mundo, a irracionalidade inerente à vontade. Sendo deste modo compreendida, ela constitui, igualmente, a causa de todo sofrimento, uma vez que lança os entes em uma cadeia contínua de aspirações sem fim, o que provoca a dor de permanecer algo que jamais consegue completar-se. Você ouviu? Desejamos constantemente, mas quando alcançamos o que queríamos, já temos outro desejo em vista. Segundo tal concepção pessimista, o prazer consiste apenas na supressão momentânea da dor; esta é a única e verdadeira realidade.
Contudo, há alguns caminhos que possibilitam ao homem escapar da vontade, e assim, da dor que ela acarreta. A primeira via é a da arte. Schopenhauer traça uma hierarquia presente nas manifestações artísticas, na qual cada modalidade artística, ao nos lançar em uma pura contemplação de Ideias, nos apresenta um grau de objetivação da vontade. Partindo da arquitetura como seu grau inferior, ao mostrar a resistência e as forças intrínsecas presentes na matéria, o último patamar desta contemplação reside na experiência musical; a música, por ser independente de toda imagem externa, é capaz de nos apresentar a pura Vontade em seus movimentos próprios; a música é, pois, a própria vontade encarnada. Tal contemplação, trazendo a vontade para diante de nós, consegue nos livrar, momentaneamente, de seus liames.
A arte representa apenas um paliativo para o sofrimento humano. Outra possibilidade de escape é apontada através da moral. A conduta humana deve voltar-se para a superação do egoísmo; este provém da ilusão de individuação, pela qual um indivíduo deseja, constantemente, suplantar os outros. A compreensão da Vontade faz aparecer todos os entes desde seu caráter único, o que leva, necessariamente, a um sentimento de fraternidade e a uma prática de caridade e compaixão.
Entretanto, a suprema felicidade somente pode ser conseguida pela anulação da vontade. Tal anulação é encontrada por Schopenhauer no misticismo hindu, particularmente o Budismo; a experiência do Nirvana constitui a aniquilação desta vontade última, o desejo de viver. Somente neste estado, o homem alcança a única felicidade real e estável.
O pensamento de Schopenhauer foi fonte decisiva para a obra de um dos mais importantes filósofos da Idade Contemporânea, Nietzsche.
Nietzsche
Alemanha, 1844.
“Não sou um homem, sou uma dinamite”, escreveu Nietzsche. Ele estudou Filosofia Clássica e aos vinte e cinco anos, em 1869, foi nomeado professor desta disciplina em Basileia, Alemaça nha. Em 1879, a doença o obrigou a abandonar o lugar e viver independentemente como escritor. Em 1889 perdeu a razão e morreu louco em 1900 ao terminar o século XIX. O pensamento de Nietzsche é desafiador. Para compreender este grande interpétre da alma humana é necessário deixar de lado as nossas ideias pré-concebidas, ou seja, os nosso preconceitos. Nietzsche nos desafia, ele critica a moral cristã, analisa a ideia de bem e mal imposta pelo pensamento religioso na Europa de sua época.
Seu pai e seus avôs eram pastores protestantes. Nietzsche teve muito desse espírito religioso durante a infância, e cogitava continuar a linhagem. Sua mãe era piedosa e puritana. Em 1849 perdeu o pai e o irmão. Mudou-se então para Naumburg, cidade às margens do rio Saale, onde cresceu, em companhia feminina: a mãe, a irmã, duas tias e a avó. Era uma criança feliz, aluno exemplar, dócil e leal. O zelo e o mimo familiar fez com que ficasse um pouco deslocado, pois não gostava dos vizinhos, que armavam arapucas para passarinhos e bagunçavam. Preferia a calma do estudo, e os coleguinhas o chamavam de pequeno pastor, rejeitando maiores relações com ele. Lia a Bíblia, para si e para os outros. Em 1858, Nietzsche conseguiu uma bolsa de estudos na escola de Pforta, onde havia estudado filósofo romântico Fichte (1762-1814). Leu Schiller (1759- 1805) e Byron (1768-1824), escritor boêmio romântico que foi um dos gurus do romantismo. O Romantismo teve uma importância decisiva na juventude de Nietzsche, que mais tarde, na maturidade, criticou-o. Com essas leituras, e mais a influência de alguns professores, começou a se afastar do cristianismo.
O pensamento de Nietszche pode ser considerado como uma tentativa de descobrir uma nova síntese entre o cristianismo protestante (com sua crença no indivíduo heróico) e o paganismo clássico (com sua adoração ao poder da natureza).
Nietzsche, mesmo pelos padrões de filósofos altamente tensos, tinha um temperamento sensível, e levou muito a sério as conseqüências intelectuais das teorias de Darwin. Darwin sustentou em seu livro “As origens das espécies”, que os homens, em vez de criados à imagem de Deus, eram primos evoluídos de macacos e monos, o que para Nietzsche foi arrasador. O universo não tinha sido feito por Deus para os seres humanos, de forma que os homens estavam a sós em um mundo sem nenhum significado real.
Toda a filosofia de Nietzsche pode ser vista com a tentativa de responder a esta única pergunta: como podemos viver em um mundo sem algo (um Deus) que garanta que a vida tenha sentido? Em 1882, Nietzsche admitiu, enfim, que Deus estava morto, iniciando sua longa busca por uma resposta não religiosa ao significado da vida, tentando escapar à sensação de desespero que seguiu sua perda de fé no cristianismo. Essa condição, que ele chamou de niilismo – a crença de que nada tem sentido – foi para ele o principal problema enfrentado pelo mundo moderno.
Nietzsche é uma mentalidade muito complexa, afirma o pesquisador Julián Marías. Tinha grandes dotes artísticos e é um dos melhores escritores alemães modernos. O seu estilo, tanto em prosa como em poesia, é apaixonado, exaltado e de grande beleza literária. O conhecimento e o interesse pela cultura grega tiveram um grande papel na sua filosofia. Mas o tema central do seu pensamento é o homem, a vida humana, e todo ele está carregado de preocupação histórica e ética.
As suas principais obras são: “A origem da tragédia”, “Humano, demasiadamente humano”, “Aurora”, “Assim falou Zaratrusta”, “Além do bem e do mal” e “Genealogia da moral”.
O Dionisíaco e o Apolíneo: Nietzsche apresenta uma interpretação da Grécia, que tem grande alcance para a sua filosofia. Distingue dois princípios, o apolíneo e o dionisíaco, quer dizer o que corresponde aos dois deuses gregos Apolo e Dionísio. O primeiro é o símbolo da serenidade, da claridade, da medida, do racionalismo; é a imagem clássica da Grécia; no dionisíaco, pelo contrário, encontra o impulsivo, o excessivo transbordante, a afirmação da vida, o erotismo, a orgia como culminação deste afã de viver, de dizer sim à vida, apesar de todas as suas dores. Nietzsche põe a vontade de viver no centro de seu pensamento.
O eterno retorno: Nietzsche depende em certa medida do positivismo de sua época; nega a possibilidade da metafísica; além disso, parte da perda da fé em deus e na imortalidade da alma. Mas essa vida que se afirma, que pede para ser mais, que pede eternidade no prazer, voltará uma vez e outra. Nietzsche utiliza uma idéia procedente de Heráclito, a do eterno retorno das coisas. Quando estejam realizadas todas as combinações possíveis dos elementos do mundo, ficará contudo na frente um tempo indefinido e então voltará a começar o ciclo e assim indefinidamente. Tudo o que acontece no mundo vai se repetir igualmente vezes e vezes. Tudo voltará eternamente com todo o mal, o miserável, o vil. O homem, porém, pode ir transformando o mundo e transformando-se a si mesmo, mediante uma transmutação de todos os valores, e encaminhar-se para o além-homem. Deste modo, a afirmação vital não se limita a aceitar e a querer a vida apenas uma vez, mas infinitas vezes.
O Além-homem: Nietzsche opõe-se a todas as correntes igualitárias, humanitárias e democráticas da época. É um afirmador da individualidade poderosa. O máximo bem é a própria vida, que culmina na vontade de poder. O homem deve superar-se, terminar em algo que esteja acima de si, como o homem está acima do macaco; este é o além-homem, termo que em várias traduções para do alemão para o português aparece como super-homem. Nietzsche toma como seus modelos as personagens renascentistas, sem escrúpulo e sem moral, mas com magníficas condições vitais de força, de impulsos e de energia. E isto leva-o a uma nova idéia da moral.
A moral dos senhores e dos escravos: Nietzsche tem especial hostilidade pela ética kantiana do dever, como pela ética utilitária e também pela moral cristã. Nietzsche valoriza unicamente a vida, forte, sã, impulsiva, com vontade de domínio. Isso é o bem e tudo o que é débil, enfermo, fracassado e mau. A compaixão é por isso o sumo do mal. Assim distingue dois tipos de moral. A moral dos senhores é das individualidades poderosas, de vitalidade superior, exigentes para consigo mesmas; é a moral da exigência e da afirmação dos impulsos vitais. A moral dos escravos, em contrapartida, é a dos débeis e dos miseráveis, a moral dos degenerados; é regida pela falta de confiança na vida, pela valorização da compaixão, da humildade, da paciência, etc. É uma moral dos ressentidos, afirma Nietzsche, que se opõe a tudo o que é superior e pro isso afirmam todas as igualdades. Nietzsche atribui este caráter de ressentimento à moral cristã.
Em sua obra, Nietzsche critica a tradição da filosofia ocidental a partir de Sócrates, a quem acusa de ter negado a intuição criadora da filosofia anterior, pré-socrática. Nietzsche desenvolveu uma crítica intensa aos valores morais, propondo uma nova abordagem: a genealogia da moral, isto é, o estudo da origem e da história dos valores. A conclusão de Nietzsche foi de que não existem as soluções absolutas de bem e de mal. Para ele as concepções morais surgem com os homens. Ou seja, são produtos da história humana. Os homens são verdadeiros criadores dos valores morais, sobretudo as religiões, como o judaísmo e o cristianismo para a civilização ocidental, que impõem muitos desses valores humanos com se fosses produto da vontade de Deus.
Assim, se compreendermos que os valores presentes em nossa vida são construções humanas, estamos no dever de refletir sobre nossas concepções morais e enfrentar o desafio de viver por nossa própria conta e risco.
O estilo de escrever de Nietzsche é aforismático, isto é, ele escrevia trechos concisos, muitas vezes de uma só página, e dos quais são pinçadas máximas. Muitas de suas frases se tornaram famosas, sendo repetidas nos mais diversos contextos, gerando muitas distorções e confusões. Algumas delas:
- “A filosofia é o exílio voluntário entre montanhas geladas.”
- “Como são múltiplas as ocasiões para o mal-entendido e para a ruptura hostil!”
- “Deus está morto. Viva Perigosamente. Qual o melhor remédio? – Vitória!”.
- “Há homens que já nascem póstumos.”
- “O Evangelho morreu na cruz.”
- “A diferença fundamental entre as duas religiões da decadência: o budismo não promete, mas assegura. O cristianismo promete tudo, mas não cumpre nada.”
- “Quando se coloca o centro de gravidade da vida não na vida mas no “além” – no nada -, tira-se da vida o seu centro de gravidade.”
- “Para ler o Novo Testamento é conveniente calçar luvas. Diante de tanta sujeira, tal atitude é necessária.”
- “O cristianismo foi, até o momento, a maior desgraça da humanidade, por ter desprezado o Corpo.”
- “A fé é querer ignorar tudo aquilo que é verdade.”
- “As convicções são cárceres.”
- “As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.”
- “Até os mais corajosos raramente têm a coragem para aquilo que realmente sabem.”
- “Aquilo que não me destrói fortalece-me”
- “Sem música, a vida seria um erro.”
- “E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.”
- “A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo.”
- “O idealista é incorrigível: se é expulso do seu céu, faz um ideal do seu inferno.”
- “Em qualquer lugar onde encontro uma criatura viva, encontro desejo de poder.”
- “Um político divide os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos.”
- “Quanto mais me elevo, menor eu pareço aos olhos de quem não sabe voar.”
- “Se minhas loucuras tivessem explicações, não seriam loucuras.”
- “O Homem evolui dos macacos? É, existem macacos!”
- “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.”
- “Há sempre alguma loucura no amor. Mas há sempre um pouco de razão na loucura.”
- “Torna-te quem tu és!”
- “O padre está mentindo.”
- “Deus está morto mas o seu cadáver permanece insepulto.”
- “Acautela-te quando lutares com monstros, para que não te tornes um.”
- “Da escola de guerra da vida: o que não me mata, torna-me mais forte.”
Por final, é necessário lembrar que Nietzsche defende que, em um mundo sem valores outorgados por Deus, é necessário ser criativo e inventar novos valores e novas formas de viver. Para ele, a forma mais alta de vida humana é a arte, sendo o grande artista o verdadeiro salvador da humanidade. De novo, vemos que a filosofia volta a responsabilidade para você. É você que tem o poder para decidir e fazer. Pense nisso.
Nietzsche influencia muitos filósofos do século XX, período de vasta produção filosófica marcada também pela releitura da obra de Marx, a psicanálise de Freud, o existencialismo de Sartre, a filosofia da linguagem de Wittgenstein e a fenomenologia de Edmund Husserl, filósofo que veremos agora.
Husserl
Prossnitz, 1859. Morávia, antigo império austro-húngaro.
Husserl achava que os filósofos estavam complicando a teoria do conhecimento, em lugar de considerarem com objetividade o fenômeno da consciência como é experimentado pelo homem. O que importava, para ele, era o que se passava na experiência de consciência, através de uma descrição precisa do fenômeno. Por isso deu o nome de “fenomenologia” à sua teoria que deveria ser uma ciência puramente descritiva, para somente depois passar a uma teoria transcendental à experiência, o seja, para além do método cientifico.
As teorias do conhecimento de Descartes e de Kant tinham um defeito insanável, em seu entender. Era o fato de faltar qualquer certeza de que o que aparece na consciência correspondesse inteiramente ao real. O que havia era uma “pressuposição” de que aquilo que estava na consciência guardava relação de alguma sorte com os objetos correspondentes do mundo exterior. A filosofia, a mais fundamental das ciências, devia ficar livre de suposições. Pensar o mundo somente poderia ser feito depois de bem examinado como esse mundo é matéria no campo da consciência. Em sua opinião não adiantava em nada discutir uma teoria do conhecimento sem esse primeiro passo, pois o que tinha existência verdadeira e assegurada eram os fatos da consciência. Husserl colocaria qualquer problema filosófico tradicional entre aspas, para ser examinado somente após estar completa a descrição fenomenológica. A isto chamou criar uma “época” para a questão em exame.
Chamou “redução transcendental” a esta redução da coisa aos detalhes da sua apreensão como fenômeno da consciência propriamente; significava retirá-la de uma visão teórica, transcendente, para tomar conhecimento dela de modo preciso e objetivo, analítico, como simples experiência de consciência. No entanto, na primeira fase do desenvolvimento da sua doutrina, Husserl não partia daí para descrever o “Eu” ou o que a consciência era, mas sim para estudar as idéias, os vários tipos de idéias, como as cores, a superfície, etc.. A esse detalhamento das idéias que se juntam com outras idéias para formar a essência de cada coisa, deu o nome de “redução eidética” (idéia, imagem, forma). Com este procedimento queria chegar a uma metodologia perfeita para a filosofia, de modo a garantir a certeza absoluta, e buscou estudar o que John Locke já havia escrito a respeito. Somente mais tarde, no que foi considerada uma reviravolta em seu pensamento, Husserl passou ao estudo do Eu, do que existe no Eu que lhe faculta o conhecimento, o que foi considerado um retrocesso à filosofia transcendental de Kant.
Para resumir é necessário entender que a fenomenologia consiste, basicamente, na observação e descrição rigorosa do fenômeno, isto é, daquilo que se manifesta, aparece ou se oferece aos sentidos ou à consciência. Dessa maneira, busca-se analisar com se forma, para nós, o campo de nossa experiência, sem que o sujeito ofereça resistência ao fenômeno estudado nem se desvie dele. O sujeito deve, portanto, orientar-se pro ele. Essa é a grande contribuição de Husserl para a Filosofia Contemporânea, a filosofia de nosso tempo. Um dos maiores seguidores de Husserl foi o filósofo Martin Heidegger.
Martin Heidegger
Alemanha, 1889.
Heidegger viveu na Alemanha de Hitler e teve que se demitir do posto de reitor de uma universidade por discordar das atrocidades nazistas.
Para Heidegger a questão central da filosofia é o ser, a essência, não só do homem, mas de todas as coisas. A filosofia de Heidegger criticou basicamente a antiga confusão entre ente e ser, ocorrida ao longo de toda a história da filosofia. O ente é a existência, o modo de ser do homem. O ser é a essência, aquilo que determina a existência ou o modo de ser do homem.
A partir dessa diferenciação é possível estabelecer duas fases da filosofia de Heidegger. Na primeira, ela busca o conhecimento do ser através da análise do ente. Na segunda, o ente é abandonado e o próprio ser torna-se a chave para a compreensão da existência.
Um dos objetivos básicos da obra de Heidegger “Ser e tempo”, publicada em 1927, é investigar o sentido do ser. Para efetuar tal tarefa, começou pela investigação do ser que nós próprios somos. Criando uma terminologia própria, Heidegger denomina o modo de ser do homem, nossa existência, com a palavra Dasein, cujo sentido é ser-aí, estar-aí.
Analisando a vida humana, o filósofo descreveu três etapas básicas que marcam a existência e que, para a maioria dos homens, culminam numa existência inautêntica:
- A existência: o homem é lançado ao mundo, sem saber por quê. Ao despertar para a consciência da vida, já está aí, sem ter pedido.
- O desenvolvimento da existência: o ser humano estabelece relações com o mundo (ambiente natural e social historicamente situado). Para existir, o homem projeta sua vida e procura agir no campo de suas possibilidades. Assim, move uma busca permanente para realizar aquilo que ainda não é. Em outras palavras, existir é construir um projeto.
- A destruição do eu: tentando realizar seu projeto, o homem sofre a interferência de uma série de fatores adversos que o desviam de seu caminho existencial. Trata-se do confronto do eu com os outros. Um confronto no qual o homem comum é, geralmente, derrotado. O seu eu é destruído, arruinado, dissolve-se na massa humana. Em vez de tornar-se si mesmo, o homem torna-se aquilo que os outros desejam.
O sentimento profundo que faz o homem despertar da existência inautêntica é a angústia, pois ela revela a nossa impessoalidade no cotidiano, o abandono do nosso próprio eu diante da opressão do mundo com um todo. Então, anote aí: a angústia é o sentimento que retira o homem da sua vida autêntica e o devolve à sua condição autêntica: um ser em aberto, que deve construir sua existência.
Sobre isso a professora Marilena Chauí, um dos nomes mais significativos da filosofia brasileira, escreve: “o mundo surge diante do homem, aniquilando todas as coisas particulares que o rodeiam e, portanto, apontando para o nada. O homem sente-se, assim, um ser-para-a-morte. A partir desse estado de angústia, abre-se para o homem, segundo Heidegger, uma alternativa: fugir de novo para o esquecimento de usa dimensão profunda, isto é, o ser, e retornar ao cotidiano; ou superar a própria angústia, manifestando seu poder da transcendência sobre o mundo e sobre si mesmo. O homem pode transcender, o que significa dizer que o homem está capacitado a atribuir um sentido ao ser”.
Um dos mais importantes leitores da obra de Heidegger foi o filósofo francês, Jean-Paul Sartre, um dos líderes da escola existencialista.
Sartre
França, 1905.
Sartre nasceu em Paris e foi o mais conhecido pensador do movimento existencialista. Escreveu romances e peças de teatro, como: “Entre quatro paredes”, “A náusea”, “O muro”, “A idade da razão” e “o diabo e o bom Deus”. Sartre foi influenciado por Heidegger, Kierkegaard e pelo marxismo. Em 1956 rompeu com o Partido Comunista. Em 1964 foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura, mas recusou recebê-lo.
A principal obra filosófica de Sartre foi “O ser e o nada”, publicada em 1939. Nessa obra, ele ataca duramente a teoria aristotélica de potência. Para Sartre, o ser é o que é. Trata-se, na liguagem sartriana, do ente em-si. Esse ente “não é ativo nem passivo, nem afirmação nem negação, mas simplesmente repousa em si, maciço e rígido”. Mas, além do ente em-si, Sartre concebe a exist~encia do ser especificamente humano, denominando-o ente para-sei. O ente para si específico do homem se opõ ao ente em-si, que representa a plenitude do ser. Portanto, para Sartre, a característica tipicamente humana é o nada: um espaço aberto. Esse nada, próprio da existência, faz do homem um ente não-estático, não-compacto, acessível às possibilidades de mudança. O homem é a própria mudança. E você? Você é a própria mudança?
Se o homem fosse um ser cheio, total, pleno, com uma essência definida, ele não poderia ter nem consciência, nem liberdade. Primeiro, porque a consciência é um espaço aberto a múltiplos conteúdos. Segundo, porque a liberdade representa a possibilidade de escolha. Por intermédio dela, o homem revela suas aspirações pro algo que ele ainda não é. Assim, para Sartre, se o homem não expressasse esse vazio de ser, sua consciência já estaria pronta, acabada, fechada. E, nesse caso, o homem não poderia manifestar liberdade, pois estaria totalmente preso à realidade estática do ser pleno. Por isso, o homem tem como característica específica o não-ser, algo indefinido e indeterminado. Por esse mesmo motivo, não podemos falar da existência de uma natureza humana universal, mas de uma condição humana.
Um dos principais fundamentos da condição humana é a liberdade. É o exercício da liberdade que impulsiona a conduta humana, que gera a incerteza, que leva à procura de sentidos, que produz a ultrapassagem de certos limites.
Outros filósofos franceses do século XX se destacaram por produzirem um pensamento pertinente e inovador, entre eles podemos destacar Maurice Merleau-Ponty, Jaques Lacan, Louis Althusser, Michel Foucault e Jaques Derrida. O existencialismo expandiu-se entre outros filósofos como Gabriel Marcel, Karl Jaspers Léon Chestov e Martin Buber. O existencialismo ateu de Sartre esteve presente também na obra de escritores e pensadores como Albert Camus.
Camus
Argélia, 1913.
Albert Camus foi um filósofo e escritor que deixou profundas marcas na história do pensamento humano. Seus ideais retratam posturas de alguém que, a despeito da “absurdidade da vida”, tem prazer por desfrutá-la plena e incessantemente não se permitindo abater pelas dificuldades que se levantam, mas, ao contrário, nelas encontrando forças para alcançar grandes objetivos.
Camus foi o escritor que cunhou a expressão “absurdo” ou “o absurdo” para escrever a situação em que os seres humanos exigem que suas vidas tenham significado num universo indiferente que é, ele mesmo, totalmente desprovido de sentido ou propósito. Absurdo é aquilo que acontece, mas não poderia acontecer. É o impossível que se torna realidade. É o não aceitável que, embora acontecido, continua como inaceitável.
Para “capturar o sentimento do absurdo” (expressão usada por Camus), o ser precisa invocar outros sentimentos. Esses sentimentos variam do desconforto ao pessimismo até a angústia e o desespero.
Mas o que você pensa? De que serve viver, uma vez que a cabal falta de sentido da vida humana foi totalmente entendida e assimilada? As palavras de abertura de seu ensaio “O mito de Sísifo” ficaram famosas: “só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia”.
“O Mito de Sísifo” foi publicado em 1943, um ano depois de O Estrangeiro e continha a essências das mesmas ideias que este. Este mito é uma imagem da vida humana onde os deuses tinham condenado Sísifo a rolar interminavelmente um rochedo montanha acima, até o alto de onde a pedra tornava a cair por si mesma, tornando assim o seu trabalho inútil e sem esperança. Tomar consciência da inutilidade de tantos sofrimentos é descobrir o absurdo da condição humana.
Camus vai recusar a ideia de Deus, ele diz não aceitar a noção de um Deus cuja existência não teria nenhum assento na realidade sensível. Ele não faz nenhuma concessão a esse Deus que não intervém no problema do mal. Do problema do mal nasce o silêncio de Deus, e esse silêncio se moldará a noção dessa divindade. Camus não aceita que o assassinato de Abel não fosse impedido por Deus. Para ele, se Deus permite tudo, ele é responsável por tudo. Pior ainda, foi o próprio Deus que insuflou o homicídio no coração de Caim. Para Camus Deus é: “Uma divindade cruel e caprichosa, aquela que prefere, sem motivo convincente, o sacrifício de Abel àquele de Caim e que, por isso, provoca o primeiro assassinato”. Por isso, Camus não vai aceitar um Deus arbitrário em suas decisões. Camus tira a razão de Deus por motivos morais. Ele recusa duplamente a fé como recusa a injustiça e o privilégio. Deus, para Camus é visto como o pai da morte e o supremo escândalo. Mais tarde, Camus amenizará seu tom na denúncia de Deus, mas não deixará de fazê-la. O ser humano não é mais inocente e Deus não é mais o culpado de tudo. Ele temperará o arbítrio divino com o arbítrio humano. Mesmo assim, ele não deixará de ver o mal como um escândalo e Deus, com seu mutismo, longe e indiferente a tudo. Até o fim Camus se pergunta, porque Deus permite tudo? Porque ele permite que neste mundo crianças tenham fome, sofram e morram? A revolta é a atualização da vida, não se tem mais Deus e tudo o que se tem é a vida dada gratuitamente e sem explicação. Nesta vida, é preciso se revoltar, pois pela revolta acabamos por nos conduzir num mundo perdido e com valores que mantenham ou mesmo animem nossa dignidade.
A revolta é capaz de nos fazer transcender, a única transcendência de que Camus faz conta e é luta contra o absurdo, a única capaz de reivindicar clareza e ordem num universo que parece pouco razoável. A grandeza da revolta contra todo ataque à dignidade humana reside igualmente na afirmação implícita da transcendência do espírito humano, o único capaz de julgar em nome de uma justiça que somente ele pode conceber.
Um segmento significativo na filosofia do século XX foi a chamada Filosofia da Linguagem ou Filosofia analítica. Destacam-se os filósofos Bertrand Russell e Ludwig Wittgenstein.
Wittgenstein
Áustria, 1889.
Na virada do século XIX para o século XX surgiu uma corrente filosófica que, pela análise lógica da linguagem, procurava estabelecer o sentido das expressões (conceitos, enunciados, uso contextual) e seu uso no discurso linguístico. Por isso, ela ficou conhecida como filosofia analítica. De acordo com essa corrente, muitos dos problemas filosóficos se reduziriam a equívocos e mal-entendimentos originados do uso ambíguo da linguagem.
Já o percurso filosófico de Wittgenstein pode ser dividido em duas grandes fases. Na primeira, configurada no Tractatus lógico-philosophicus, ele intensificou a busca de uma estrutura lógica que pudesse dar conta do funcionamento da linguagem. A estrutura da linguagem deveria corresponder à realidade dos fatos. Em suas palavras: “um estado de coisas é pensável, quer dizer: podemos fazer uma figura dele. A totalidade dos pensamentos verdadeiros é uma figura do mundo”.
Em sua segunda fase, Wittgenstein se afastou dessa compreensão de que a verdade da proposição deve ser verificada na experiência do mundo real, e passou a confirmar a impossibilidade de uma redução legítima entre um conceito lógico (da linguagem) e um conceito empírico (da realidade). Em outras palavras, a linguagem não é a captura conceitual da realidade, isto é, não é a reprodução do objeto, mas sim uma atividade, um jogo. E os jogos de linguagem adquirem o seu significado no uso social, nos diferentes modos de ser e de viver no qual a fala está inserida. A linguagem comum possui uma riqueza de espécies e tipos de frases que são usadas em situações específicas (mandar, pedir, relatar, descrever, inventar, agradecer etc) e formam os “jogos de linguagem”, que se produzem socialmente e não individualmente.
Na sua obra Investigações filosóficas, Wittgenstein explica: “A linguagem é como uma caixa de ferramentas”. Para ele, não se trata mais de considerá-la falsa ou verdadeira, mas de saber usá-la. A tarefa da filosofia é usar adequadamente a linguagem, sabendo dos seus limites e calando-se diante do que não pode ser falado.
Agora que estamos chegando aos momentos finais de nossa jornada, apesar de inúmeros pensadores que poderíamos estudar neste vídeo, vamos apresentar dois pensadores que têm as suas obras relidas atualmente, graças as propostas de diálogo com outro que defendem. O filósofo Martin Buber e o educador Paulo Freire vêem a palavra como ponto central para a alteridade, o encontro entre as pessoas. Numa época de distanciamento e individualismo, os dois pensadores pensam um diálogo possível para a humanidade.
O diálogo possível
Martin Buber (Áustria, 1878) e Paulo Freire (Brasil, 1921).
Um dos eventos mais significativos do início do século XX foi a redescoberta do princípio dialógico, uma migração do lugar do pensamento fundada na afirmação de que não é o sujeito a chance primordial do ser, mas sim a sua vulnerabilidade à alteridade. A obra de do filósofo austríaco de origem judia Martin Buber (1878-1965) é parte desse empenho. Para Buber a existência humana emerge do encontro dialógico que determina a palavra como interação entre os homens. No diálogo a palavra não é mais logos, puramente anunciador, pois fundamenta a existência; ela vai além da subjetividade, estabelecendo uma dimensão ontológica – o interhumano, evento no qual os homens podem assegurar sua soberania e sua liberdade de estabelecer relações. O logos não é simplesmente razão, princípio de ordem, porém em virtude de seu vínculo essencial com a práxis, é a palavra responsável pelo desvendar da existência humana como coexistência. Assim, o ser humano existe mediante o encontro, a relação (Beziehung).
Esta questão marca decisivamente a história da Filosofia, uma vez que a maioria das filosofias ocidentais não são centradas na alteridade, no outro, mas na identidade, no eu em si A incisiva afirmação de Buber – apresentada em sua obra Eu e Tu (1923) –, de que, sem o Tu, o Eu não é possível diz respeito a uma verdadeira revolução. Isto alude à indubitável disponibilidade do homem para relacionar-se, para encontrar-se. Com efeito, a fala mais propriamente humana é a resposta à locução de um Tu, no encontro face a face com a pessoa do outro. A existência humana é dialogante. Como afirma Buber, “a palavra–princípio Eu-Tu só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade. O Eu se realiza na relação com o Tu; é tornando Eu que digo Tu”. O livro Eu e Tu (1923), publicado originalmente em alemão, é uma ontologia da relação, ultrapassando a simples descrição fenomenológica das atitudes do homem no mundo ou de uma fenomenologia da palavra. A palavra, pela intencionalidade que a anima, é o princípio ontológico do homem como ser dialogante.
O homem é essencialmente uma abertura graças à palavra originária[1] e instaura o emergir dinâmico de sua existência pela palavra. Por este motivo o Eu (homem) precisa pronunciar-se e dirigir-se ao Tu (outro), a fim de que confirme sua existência, utilizando a palavra-dialógica, a palavra em sua ação totalizadora. Para Buber a palavra é portadora do ser. Não é outra coisa, senão palavra de proximidade, resposta que precede a questão, palavra de responsabilidade pelo outro, palavra entre; não palavra sobre ou palavra imperativa e dominante que explora o outro, tratando-o como mero objeto, para extrair-lhe a alteridade. Palavra, gestante de reciprocidade, pela qual o Eu sai em direção ao Tu. Assim está, em ato, instaurada a reciprocidade no existir dialógico de um Eu com um Tu.
O pensador e educador brasileiro Paulo Freire compreende o diálogo como o alicerce fundamental de seus métodos educacionais. Sem o diálogo não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. Em seu importante ensaio, Pedagogia do Oprimido (1970), o pensador brasileiro apresenta as bases de uma teoria da ação dialógica. Para ele a dialogicidade é a essência da educação como prática da liberdade. Por isso afirma que: “Se ao dizer suas palavras, ao chamar o mundo, os homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o diálogo é, pois, uma necessidade existencial” .
Para Freire “quando tentamos um adentramento no diálogo como fenômeno humano, se nos revela algo que já podemos dizer ser ele mesmo: a palavra”. Não há palavra verdadeira que não seja práxis, ação e reflexão em uma interação radical. No pensamento freireano, ao se estabelecer um diálogo, busca-se que o homem pronuncie sua palavra, e este pronunciar sua palavra significa começar a transformar o mundo, porque existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. Dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens. Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra dos demais.
“O eu antidialógico, dominador, transforma o tu dominado, conquistado, num mero isto”. O eu dialógico, pelo contrário, sabe que é exatamente o tu que o constitui. Sabe também que, constituído por um tu – um não-eu –, esse tu que o constitui se constitui, por sua vez, como eu, ao ter no seu eu um tu. Não há, portanto, na teoria da ação dialógica, um sujeito que domina pela conquista e um objeto dominado. Em lugar disto, há sujeitos que se encontram para a pronúncia do mundo, para a sua transformação. A conquista implícita no diálogo é a do mundo pelos sujeitos dialógicos, não a de um pelo outro. Trata-se da conquista do mundo para a libertação dos homens .
No pensamento freireano a dialogicidade da educação não começa quando o educador-educando se encontra com os educando-educadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo programático da educação . Freire afirma: “O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o mesmo em que se realiza a investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores”.
Enquanto na prática bancária da educação, antidialógica por essência, por isto, não comunicativa, o educador deposita no educando o conteúdo programático da educação, que ele mesmo elabora ou elaboram para ele, na prática problematizadora, dialógica por excelência, este conteúdo, que jamais é depositado, se organiza e se constitui na visão do mundo dos educandos, em que se encontram seus temas geradores.
Considerações finais
Diante deste desafiante confiante para o diálogo feito por Martin Buber e Paulo Freire é que convidamos você a pensar a filosofia como parte integrante de sua vida, sabendo que com a filosofia e os filósofos podemos abertamente encarar dúvidas e buscar respostas.
Como vimos, a Filosofia Contemporânea, a filosofia de nosso tempo, resulta de uma tentativa de encontrar respostas à crise do projeto filosófico da modernidade. Suas principais correntes visam seja atualizar o racionalismo e o funcionalismo característicos da Filosofia Moderna, seja romper com esta tradição em direção a novas alternativas a partir da influência de filósofos como Heidegger, Sartre e Wittgenstein. Um dos aspectos centrais dessa crise é o questionamento da subjetividade como ponto de partida da tentativa de fundamentação do conhecimento e d aética. A linguagem para a ser vista, em diferentes perspectivas, como uma alternativa filosófica. Mas também verificamos na Filosofia Contemporânea críticas à civilização ocidental e o desejo de encontrar caminhos para um mundo sem um Deus. Há forte rejeição na crença nos valores absolutos, na moral de rebanho e na tradição cultural castradora da criatividade, da ação e da emoção pura do homem.
Esperamos que você tenha gostado. A pesquisa desse vídeo foi organizada por Rudinei Borges, que é escritor e professor de Filosofia. Agora chegou a sua fez de pesquisar e quem sabe de construir a sua própria filosofia a partir da obra de todos os filósofos que conhecemos hoje. Fica uma pergunta que não conseguimos responder: será que a razão pode realmente favorecer a emancipação humana? O que a filosofia tem a dizer a respeito das transformações causadas pelo avanço da ciência e das novas tecnologias, como o computador? É possível responder. Vá adiante. Boa sorte. Até a próxima.
Referências Bibliográficas
Albert Camus. O mito de Sísifo.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Dicionário da língua portuguesa.
Bryan Magee. História da Filosofia.
César Aparecido Nunes. Aprendendo Filosofia.
Danilo Marcondes. Iniciação à Filosofia.
Gilberto Cotrim. Fundamentos da Filosofia.
Giovanni Reale e Dário Antiseri. História da Filosofia.
Hegel. Fenomenologia do espírito.
Hilton Japiassú e Danilo Marcondes. Dicionário Básico de Filosofia.
Horkheimer. Eclipse da razão.
Julían Marías. História da Filosofia.
Karl Marx. O capital.
Kierkeggard. O desespero humano.
Marilena Cahuí. Convite à Filosofia.
Martin Buber. Eu e tu.
Martin Heidegger. O ser e o tempo.
Neil Turbull. Fique por dentro da Filosofia.
Nietzche. Assim falou Zaratrusta.
Paulo Freire. Pedagogia do oprimido.
Sartre. O ser e o nada.
Schopenhauer. O mundo como vontade e representação
Arquivado em Albert Camus, Angústia, Demócrito, Descartes, Engels, Escola de Frankfurt, Existencialismo, Fenomenologia, Filosofia Contemporânea, Filosofia da Linguagem, Filosofia do diálogo, Giordano Bruno, Guilherme Ockham, Horkheimer, Iluminismo, Karl Marx, Kierkegaard, Martin Buber, Martin Heidegger, Moral, Nietzsche, Niilismo, O que é Filosofia, Paulo Freire, Pré-socráticos, Racionalismo, Razão, Sartre, Schopenhauer, Ser e tempo, Wittgenstein
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